sábado, 20 de dezembro de 2008

Dia II ou "O dia em que faremos contato"

Ciudad de Panamá (Panamá), Terça-feira, 04 de Novembro de 2008


Não era 2010 mas era o momento de fazer contato. Depois de uma boa noite de descanso num hotel bem mixuruca acordei sem saber bem o que fazer. Pelo meu roteiro eu deveria visitar o Canal do Panamá e fazer tudo aquilo que já tinha feito no dia anterior (comprar a passagem e ir ao Albrook). Então precisaria de novos planos.

Acordei cedo e fui procurar algo pra comer. Falei com a atendente do "residencial" (que também era a faxineira) sobre como chegar ao Canal do Panamá e ela me disse que eu tinha vindo ao Panamá numa época de feriado !

- "Como assim 'época' de feriado ?"

Entre outros feriados, a República do Panamá celebra nos dias 03, 04 e 05 de Novembro os dias da Separação da Colômbia, da Bandeira e o Dia de Colombo (ou Día de La Raza) respectivamente.

O Dia da Separação se deve porque, além de ter se tornado independente da Espanha, formando a antiga Grã-Colômbia (juntamente com a atual Colômbia, Equador, Venezuela e parte do Peru), o Panamá também se tornou independente ou melhor, se separou dessas nações
em 1903. Ou seja, em 01/12 os canaleros celebram a independência da Espanha e em 03/11 a separação da Colômbia.

Mas como era 04 de Novembro era dia de celebrar a Bandeira. E é descomunal o número de bandeiras pela cidade nessa época. Eram incontáveis, intermináveis. Em todo lugar se vê bandeiras panamenhas. Os carros passam com bandeirolas, os prédios penduram as cores branca, azul e vermelha, as lojas expõem mais estandartes que seus próprios produtos. Acho que se meu hotel fosse mais elegante teria recebido bandeiras no lugar dos lençóis e toalhas.

Muito dessa fixação pelo maior símbolo do país vem de uma incansável busca do povo panamenho por identidade. Também pudera, depois de duas independências, ainda contou em 1903 com o início da construção do Canal do Panamá pelos norte-americanos.

"Em 1903 ? No ano da separação da Colômbia ?"

Exato. E não é mera coincidência, já que sua separação foi incentivada a todo tempo pelo Tio Sam.
Os americanos, assistindo o fracasso francês na tentativa de construir o canal no Século XIX, perceberam que era hora de "cuidar" daquele pedaço de terra tão bem localizado (lembre-se que estamos falando dos EUA antes das guerras mundiais, que nada se compara com a força política e militar dos dias de hoje!). Como a Colômbia não quis conversa nos termos de um Tratado sugerido pelo americanos, o então presidente Theodore Roosevelt teve uma idéia: treinar militares no Panamá e despachar a embarcação cañonera USS Nashville para o Mar do Caribe só pra dar um susto, instigando, assim, a separação panamenha. Como a Colômbia havia recém saído de uma guerra civil entre liberais e conservadores (a chamada Guerra dos Mil Dias), acabou não se opondo fervorosamente a separação do istmo.

"Ok ! Então isso inflamou o patriotismo panamenho !"

Errado. Pior do que prometer ao pobre é dever ao rico.
Agora os americanos tinham o caminho livre pra construir o canal e, por conseguinte, administrá-lo. Por isso criaram a Panama Canal Zone (Zona do Canal do Panamá): um enclave no país com status território norte-americano, com bandeira e tudo ! Esse território foi controlado pelos EUA entre 1903 e 1979, quando passou a ter a administração conjunta dos dois países. Somente em 1999 a República do Panamá voltaria a ser a legítima dona desse território. Só que a um alto preço: um patriotismo fragilizado, um território cicatrizado e a cultura fortemente influenciada pelos EUA.

Como eu não tinha nada a ver com isso e só queria tomar um café, resolvi descer as ruas da capital em busca de comida. As ruas estavam vazias e acabei encontrando uma típica mercearia de chineses. Comprei alguma coisa pra acalmar o estômago, ainda indeciso se valia a pena me arriscar em ir ao Canal do Panamá num dia de feriado. Em frente à mercearia havia um senhor que parecia conhecedor da cidade e, enquanto comia, resolvi pedir alguma informação sobre a cidade.

Mais do que qualquer preparação que você faça, qualquer guia turístico que compre ou livro que leia, sua viagem vai depender da boa vontade das pessoas nas ruas, os guias turísticos amadores. E a América Central está cheia deles.

Fui informado que 4 quadras ao Norte, na Via España, estava acontecendo o desfile da bandeira e que a cidade estava toda toda lá. Era como estar em Brasília no dia 07 de Setembro, pensei.

O desfile dispensa comentários, tem de tudo: bandas, trajes típicos panamenhos, militares uniformizados, gente de várias comunidades, autoridades administrativas e uma overdose de bandeira (e bloco das bandeiras das Américas a nossa também estava lá !!).























Durante o desfile tentei mais uma vez usar,
sem sucesso, o cartão pré-pago VTM (Visa Travel Money) no cajero do HSBC . Comecei a ficar preocupado com a possibilidade dos meus dólares acabarem sem que eu pudesse sacá-los, até que avistei a Caja de Ahorro: El Banco de la Família Panameña, onde, pra minha alegria, consegui descolar alguns trocados.

À tarde, tentei seguir a pé rumo ao Panamá Viejo (ruínas da antiga capital, considerado patrimônio mundial pela UNESCO) pela Avenida Balboa que corta o litoral da cidade e que está repleta de prédios ultra-modernos, mas me dei conta de que andaria uns 8 km só de ida.

Acabei parando no estilizado shopping Multi Plaza Mall. O Panamá é conhecido pelos bons preços e tinha decidido comprar alguns apetrechos que já me faziam falta (sem relógio vinha somando e diminuindo a hora do MP3 player, além disso meus pés precisavam de alguma coisa diferente das minhas botas).



De relógio novo, apesar do crônico mau atendimento na lojas (é difícil entender porque lá as pessoas foram tão atenciosas nas ruas e tão frias no atendimento comercial), fiz o caminho de volta, não sem antes cometer uma infração que poderia ter me levado pro xadrez: das dezenas de bandeirinhas fincada no gramado do Parque Urraca, defronte à Av. Balboa, trouxe uma delas para o Brasil.

Era hora de voltar. Quando a noite chega e a cidade grande começa a cerrar os portões é porque o poeta estava certo, ninguém vê onde chegamos: os assassinos estão livre, nós não estamos.


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